Lições de não amor

Foto: Pinterest

*Géslei De Jesus

Como é difícil escrever sobre o passado. Ás vezes, acho que muitas passagens se apagam, mas alguns flashes ainda surgem sem hora marcada. Eu nunca me culpei por tudo que aconteceu, mas o grito do “por quê?” sempre me atormentou, até amadurecer e eu conseguir aceitar.

Meu pai era um homem alcoólatra, irresponsável e cruel. Suas maldades variavam entre chegar empurrando o carro no portão até alguém abrir e trair minha mãe com a “amiga” que morava em frente da nossa casa e, com ela, ter três filhos.

No dia dos pais de 1985, a amante pediu para que um de seus filhos levasse na nossa casa um presente para meu pai. Ao atravessar a sala e fazer a entrega, ele foi embora deixando um “pavio aceso” naquela cozinha. Começou a maior discussão que eu, meus irmãos, tia e primos já ouvimos até então.

De repente, um barulho incomparável, seguido de um prato caído no chão e um choro alto. Era minha mãe, desesperada. Em seguida, meu pai com a camisa ensanguentada passa pela sala e vai embora. Corremos para a cozinha todos e, parados no final do corredor, ficamos assustados com a cena.

Minha tia logo socorreu minha mãe, no seu rosto, a marca do soco que meu pai lhe deu. Ao lembrar dessas cenas, eu consigo me ver criança, assustado. Lembro que, no outro dia, minha mãe queimou o presente e meu irmão colocou na porta da casa da nossa vizinha.

Ele nunca mais voltou, mas deixou cicatrizes profundas na vida de todos nós. Meu pai foi um grande professor. Ensinou-me com detalhes como não ser, como não amar alguém. Minha mãe nunca me falou nada sobre o amor, ela me mostrou como se ama, ela se doou até as ultimas consequências.

Meu pai, após gastar toda a herança que meu avô deixou, ficou só, na miséria. De filho desprezado, me vi lhe enviando recursos para ele se manter. Até que um dia, uma dor aguda de uma enfermidade que ele não tratou, o atacou. Os vizinhos tiveram de arrombar a porta da casa e o levar ao hospital, onde ele faleceu dias depois sem saber o que é o amor.

Você tem mágoas?

Absolutamente não. Tenho frustrações, cicatrizes que palavras não apagam, são minhas. Mas sabe? Sou grato à vida por tudo o que passamos.

*Géslei S. De Jesus, nascido em Feira de Santana (Bahia). As boas línguas dizem que: “Baiano não nasce, estréia.” Moro em Brasília, desde Janeiro de 1986 e, de lá para cá coleciono momentos bons e ruins. Aprendi com os ruins e temperei com os bons.

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