Tudo sobre minha mãe
Minha mãe tem menos de 1,60m, mas parece maior que a vida. É brava, decidida, mas também sabe ser acolhedora e generosa. Foi ela quem me ensinou a gostar de Chico Buarque, Cauby Peixoto e Alcione. Foi graças a ela que aprendi a amar a poesia de João Cabral de Melo Neto e Vinícius de Moraes; que cresci ouvindo Nabucco, de Verdi, e sempre me emociono com as óperas.
Enquanto as mães das minhas amigas não bebiam ou, no máximo, tomavam espumante, minha mãe tomava whisky. Do bom. E ensinou os filhos e os amigos dos filhos como apreciarem essa bebida – o que acabou criando um evento lendário na nossa casa, chamado “Whiskada”. Todo 23 de dezembro, cada amigo levava uma garrafa e o final da festa, só Deus é que sabia como seria.
Ela adora filmes de cowboy e clássicos do cinema. Há um ano, descobriu que estava com câncer e iniciou o tratamento. Não admite que digam que quem morre por causa da doença “perdeu a luta contra o câncer”, porque “morrer não é fracasso, é o destino de todos, e quem se submete a uma quimioterapia e decide fazer tudo o que está ao seu alcance para continuar vivendo, vence todos os dias”.
Embora o câncer nos coloque cara a cara com a questão da finitude, não é sobre morte que minha mãe me ensina, mas sobre vida. Sobre amar a vida. Sobre vivê-la intensamente. Às vezes, chego à casa dela chateada por alguma razão, e a encontro maquiada, perfumada e bem vestida para ir à quimioterapia, me dando uma lição silenciosa de autoestima, força e coragem. Então todos os meus problemas ficam minúsculos, e eu a considero ainda mais gigante.
Há dois meses, o médico informou que iria prescrever uma quimioterapia mais forte e advertiu que, dessa vez, ela ficaria careca. Com o coração apertado, senti o medo real de passar o final de ano sem minha mãe. Mas eis que, faltando exatamente um mês para o Natal, lá está ela, fazendo planos para ceia e pensando nas flores que vai comprar para decorar a casa. Tudo isso sem, incrivelmente, perder o cabelo. Quem disse que não existem milagres de Natal? Com a minha mãe, eles acontecem o tempo todo.