As voltas do parafuso

Foto: Arquivo pessoal

*Enio Vieira

Uma pessoa quando jovem se assemelha a um parafuso. Nesse corpo, as voltas em forma de espiral dão caráter único, uma identidade, as nuances a ele. Ao longo da vida, se o objeto/pessoa tiver, por exemplo, três milímetros de diâmetro, ele será forçado a se encaixar em buracos de tão somente um milímetro.

A torção da chave de fenda sobre o parafuso/pessoa vai inevitavelmente enfiá-lo em cada buraco que a vida encontrar – acabando com as voltas espiraladas, os detalhes. Ao final, a peça/ser humano vai se tornar um simples prego: bem lisinho, já desgastado e sem distinção alguma de outro objeto igualmente liso.

A metáfora da transformação de parafusos em pregos, eu a ouvi em uma conversa com José Miguel Wisnik, mais de vinte anos atrás. Ele seria o palestrante para jovens como eu – na época, um rapaz com menos de trinta anos. Wisnik era o reconhecido professor, estudioso renomado de literatura e, menos conhecido, compositor musical.

Na época, Wisnik tentava entender a adaptação do Brasil ao fenômeno da globalização. O país era um parafuso grande para ser encaixado em um buraco minúsculo? Até hoje, passados mais de vinte anos, ninguém pode ter uma certeza a respeito disso. Talvez nem se chegue a uma conclusão nos anos próximos anos ou décadas.

Outra possibilidade é usar a imagem do parafuso para descrever simplesmente a nossa trajetória individual em sociedades modernas. Nascemos com mil possibilidades ou potências. No entanto, a “vida” (pais, professores, chefes no trabalho) realiza as torções que acham necessárias para nos moldar.

Mas dá para fazer o caminho inverso: de prego a parafuso? A intuição é pensar que seja tarde demais, já estamos velhos para a viravolta, há muita coisa a perder. Daí, ficamos resignadamente na forma vida-prego – usando ansiolíticos para suportar a nós mesmos. Apesar de saber disso, repetimos o mesmo movimento com as crianças.

Se alguém tiver a fórmula que transforme pregos em parafusos, por favor, deixe-a nos comentários abaixo. A humanidade agradece.

*Enio Vieira, jornalista, espera escrever o livro que planeja desde sempre.

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