A fuga das baratas

Foto: Depositphotos

*Daniela Oliveira

Dentre as memórias da infância, algumas me trazem sorrisos, outras medo e uma, especificamente, pânico. Quando criança, lembro de ter um quintal enorme na frente e nos fundos da casa. No da frente tinham flores, no de trás tinha horta. No de trás, tinha codorna e galinha, no da frente, tinha barata.

Isso mesmo, barata ou baratas, a razão do pânico que me acompanha até a maturidade.

Me recordo de vezes em que a caixa de esgoto era a passagem que originava esse meu pânico. Quando a prefeitura passava veneno na rua (sabe-se lá porque faziam isso na época, hoje ninguém mais faz), era uma verdadeira fuga das batatas. Elas pareciam mortos vivos em busca de sangue novo, saindo das bocas de lobo em minha direção.

Só pra constar, eu sei que elas não mordem, não picam, mas acredito que voam (apesar de alguns dizerem que elas só saltam) e sempre, sempre na minha direção. Com a idade, pra perder o apavoramento, busquei conhecimento a respeito do inseto.

Cheguei até pensar que seriam uma versão de aracnídeos, já que escalam mais rápido e aparentam ter mais pernas que as aranhas. Esse cosmopolita, cheio de vetores que transmitem doenças, já foram por muitos considerados perigosos para a saúde dos humanos. Já por mim, é considerado um perigo para o meu psicológico.

Os anos se passaram e depois das leituras feitas, dos cursos direcionados para perder esse transtorno, considerado por muitos ansiedade sem fundamentos e por mim terror não fictício, nada mudou.

Na presença da barata sinto uma dor quase física. Passo por um episódio repentino de uma sensação aguda aterrorizante, em que tenho a percepção de que vou perder um membro que ela possa tocar ou mesmo “morrer” por ela ter tocado.

Quando um herói surge, ela morre e desaparece (sim, não basta matar, ela tem que sumir do local, pois tenho em mente que se trata de um morto vivo prestes a despertar quando me aproximar) e, assim, retorno ao meu equilíbrio.

Sou novamente pessoa equilibrada, de cabeça fria, prestes a superar todos os meus obstáculos e medos, até o tenebroso momento em que outra barata venha a aparecer.

*Daniela Oliveira é advogada, eterna estudante e contrariadora de estatísticas e padrões.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *