Amor de Avó

Foto: Shutterstock

*Luciana Galdino

A minha avó seria um ótimo estudo para a dermatologia. Como que uma pele que sofria tanta exposição aos raios solares do nordeste, podia se manter tão limpa, hidratada e sem rugas? Sem contar o seu cabelo, liso e com um brilho que iluminava seus fios brancos, deixando com que a mistura com os escuros fizesse um casamento perfeito.

Ah, e ainda existia um buxixo entre as netas de como ela tinha conseguido um bumbum tão lisinho, sem celulites e estrias. Teve 9 filhos e os netos, juro que tentei, mas perdi a conta.

Moradora do interior da Bahia, tinha inúmeros afilhados que ela mesma trouxe ao mundo. Era uma parteira muito conhecida por todos.

Gostava de cuidar da roça, do plantio, de apartar o gado. Gostava de fazer sisal e remédios com as folhas do quintal. Com tantos afazeres, ainda achava tempo para vender arroz doce e doce de leite no mercado.

Não gostava de cozinhar, mas se esforçava para manter todos juntos na mesa com seu mocotó, buchada ou cuscuz. Se esforçava para fazer lasanha (meu prato predileto naquela época), no seu fogão a lenha.

Aí de repente chegam dois caras de nomes estranhos e agressivamente roubam dela os movimentos, a memória e vitalidade. O Alzheimer e o Parkinson. Ela estava acamada e com dificuldades para tarefas simples há alguns anos, mas o bom humor foi fiel a ela.

Minha filha tinha chegado ao mundo e todas as atenções estavam voltadas para ela. Minha vó me chamou e disse: “Precisamos ficar mais juntas”. Eu até tentei, mas estava submersa na maternidade. Sei que ela queria sinalizar algo pra mim, do tipo: “Meus dias estão contados”, ou “Você precisa dar amor aos outros, não existe só sua filha”. No fundo ela me entendia.

Em uma das minhas ponte-aéreas de retorno pra casa, ela me pediu que eu a abençoasse, assim o fiz, com muito aperto no peito. Poucos dias depois, ela se foi. E com ela levou a nossa médica, bruxa, lavradora, empresária e até sexóloga.

Ela não foi alfabetizada, mas tudo que ela fazia, para nós, tinha embasamento científico, e por fim trazia a cura. Para a minha filha e todas nós, ela deixou um recado: “Sejam fortes, felizes, leves e batalhadoras. Façam o que gostam. E quando sentirem o marido afastado, durmam sem calcinha”.

*Meu nome é Luciana Galdino criei o Esposa do Trecho (@esposadotrecho no Instagram) com a intenção de fazer conexões através da escrita sensível e abraçar todas as pessoas, que assim como eu, vivem longe das suas raízes. Saí da Bahia há 9 anos e vivemos mudando de acordo com as transferências da Empresa.

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