A arte de esperar

Foto ilustrativa para o texto sobre A arte de esperar
Foto: Depositphotos

*Enio Vieira

Com o coronavírus, veio a novidade da quarentena e do isolamento social. As pessoas se acostumaram à hipermobilidade, à circulação por vários locais de uma cidade e às viagens de um país a outro.

Já acordei um dia na Rússsia, peguei um voo de 16 horas, desci em Brasília e peguei imediatamente um carro para ir a uma confraternização de família no interior de Goiás. A volta ao mundo em menos de um dia.

A mesma mobilidade trouxe o coronavírus que viaja nos corpos das pessoas. Sai de um indivíduo para se alojar em outros três. Há tempos, se usa a metáfora da contaminação nos mercados financeiros para as crises violentas e paralisantes. O que esse vírus provoca é justamente uma interrupção brusca dos mercados e do tempo: a vida terá de ficar imóvel, estática, para se manter viva.

Parou subitamente o relógio do mundo.

A pergunta que muitos fazem é por quantos dias, semanas ou meses o imobilismo ainda terá de durar, até que desapareça o vírus. Depressivos têm relação tensa com a passagem do tempo. Podem aguentar horas ou dias, porém não suportam a ansiedade do próximo minuto. O escritor Jason Farman conta uma história interessante: cinco minutos é o tempo máximo que as pessoas conseguem esperar por uma resposta numa conversa em telefones celulares.

Talvez tenhamos perdido a habilidade de esperar. Ficou no passado o diálogo entre os personagens Galileu e Andrea Sarti, de Brecht: “Agora nós vamos sair para fora, Andrea, para uma grande viagem. Porque o tempo antigo acabou, e agora é um tempo novo. Já faz cem anos que a humanidade está esperando alguma coisa”.

A ideia era a espera do futuro que viria, certamente melhor que o passado.

Pode ser infelizmente que a espera de hoje seja mais parecida com a das peças de Beckett: humanos trancados num quarto, sem saber o que estava por vir, talvez aguardando o fim. Um cenário próximo de um apocalipse ou de um fim do mundo, como o vírus que assusta e tranca todos em casa. A vida parou de fato, mas pode ser que chegou a hora de voltar a imaginar um amanhã bem melhor que hoje e ontem.


*@enioavf, jornalista, espera escrever o livro que planeja desde sempre.

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