A paciência da semente
Do meio da pandemia, no fundo do quarto em quarentena, o sol de outono bate multicolorido na janela do amor. Indiferentes à distância que propaga os dias e os enfilera, ele, o sol, e seu outono, só querem brilhar. Não lhes compete saber sobre o futuro. Ninguém também haverá de lhes cobrar nada além do brilho.
Os braços reinsaiam o aprendizado do abraço.
Os olhos procuram manter a visão dada agora apenas pela lembrança. A boca reinventa beijos, e o corpo precisa estar atento ao tempo, para não se curvar aos repetitivos movimentos. Muitos lá fora tentam normatizar o inesperado, o oculto, o invisível.
Outros, como eu, sabem que é outono, que as cores continuam tingindo lindamente os instantes com seus surpreendentes matizes, e que apreender a espera é aprender a paciência da semente, que sabe que a terra, mais cedo ou mais tarde, há de lhe fazer justiça, fazendo com que cresça em folhas para todo o mistério do sol da chuva do vento.
Também penso que a quarentena possa ser essa terra a nos fazer sementes. Germinaremos, se soubermos guardar o poder da vida que há por dentro. Ou seremos confinados para sempre.
Prefiro ensaiar os novos gestos, palavras e silêncios. Prefiro deixar os braços anteciparem todos os abraços que virão. E acreditar que o amor será servido como café recém-coado. E que estarão sobre a mesa todas as iguarias, esperando por nós sobre a toalha do amanhã.