Descobri que meu marido está namorando essa senhora
A mulher apareceu na minha casa na quarentena.
Descobri um dia ao acordar.
Estava ela bem no canto do espelho da parte direita do guarda-roupa.
Não assustei, não fiz drama, nem chorei na frente dela.
O que aquela mulher fazia ali?
Há quanto tempo estaria escondida no espelho que cabe a mim?
Não sei precisar como ela surgiu.
Só sei contar com precisão que olhei para aquela imagem com compaixão porque a senhora me pareceu acuada demais.
O que será que meu marido via nela?
Não perguntei pra ele. Fui eu mesma investigar.
Foi fácil porque todos os dias ela aparecia pra mim.
Uma mulher comum, que passaria despercebida na rua, quase invisível.
Cabelos brancos aparentes amarrados num rabo, sem corte.
Não via vestígios de maquiagem
nem de vaidade.
Alguns dias, percebia olhos inchados.
Teria chorado?
Noutros, olheira.
Teria sido em claro, a noite?
Ela nada me dizia, só me olhava.
Cheguei a ver medo no rosto espelhado
vi raiva também, angústia e cansaço.
Isso, encontrei a palavra pra definir a senhora mulher.
Cansada.
O que ela estaria passando?
Será que meu marido sabia?
Será que eles conversavam sobre isso?
Me veio uma vontade de acolher a mulher, abraçá-la e dizer que tudo vai ficar bem.
Mas ela não deixa o espelho nem me responde palavra.
Então fico ali, só tentando decifrar pelo olhar.
Quem observa quem?
Nem bonita nem feia.
Nem simpática nem antipática.
Real, como qualquer outra mulher quando se despe dos personagens.
Não sei explicar, mas vi verdade naqueles olhos e me afeiçoei pela face estranhamente familiar e até então desconhecida.
Seria amor?
Fui gostando de imaginar a vida supostamente vivida por detrás daquelas rugas que ela não esconde de mim.
Pela alma que ela me deixa enxergar por de dentro do corpo.
Pelo meu eu que consigo ver através dela.
Um eu acima de tudo que me faz justamente ser nada e ser parte do todo.
Será que é assim que meu marido a vê?
Sim, é amor.
Eu amo profundamente essa mulher.
E entendo e amo o homem que está ao lado dela.
*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto e escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.