Quem são seus heróis?
Meu avô se chamava Miguel. Veio para o Brasil fugindo da guerra na Síria. Desembarcou no porto de Santos sem saber falar uma palavra em português. Alguns conterrâneos sugeriram que ele tentasse a vida em Goiás, seguindo a linha da estrada de ferro.
Numa cidade goiana chamada Catalão, ele conheceu minha avó, Maria. Minha bisavó veio grávida dela para o Brasil, também em busca de uma vida melhor.
Meus avós se casaram, trabalharam e prosperaram. Até conhecer a bonança, porém, enfrentaram muitas tempestades.
Viajar pelas cidades do interior a cavalo, carregando uma arca pesada, como faziam os antigos mascates que vendiam todo tipo de quinquilharias, foi a profissão do meu avô por muitos anos. Minha avó costurava. Fazia roupas, flores de tecido e os edredons da nossa infância e juventude.
Depois de muita luta, meu avô abriu em Goiânia uma fábrica de malas – que pegou fogo na mesma noite em que ele soube que o filho mais velho, de 21 anos, que estava em São Paulo para estudar, morrera de parada cardíaca. Ele viajou para cuidar do enterro e sumiu.
Minha avó passou meses em busca de notícias. Até que decidiu deixar minha mãe, de apenas 6 anos, com parentes dela, e ir para São Paulo. Encontrou meu avô no cemitério em que meu tio fora enterrado, debruçado sobre o túmulo e chorando.
Apesar de desolada, minha avó respirou fundo, abraçou meu avô e disse: “Miguel, temos outra filha esperando por nós. Vamos comigo. A gente precisa ser forte”. E assim retornaram e reconstruíram a vida – não apenas daquela vez, como em muitas outras.
A arca do meu avô, da época de mascate, e a máquina de décadas de costura da minha avó, estão comigo hoje.
São meus amuletos de coragem e orgulho. A gente sempre busca heróis nos filmes e na vida pública, mas esses objetos me lembram que meus heróis estão no porta-retratos.
Nem todo herói usa capa. A maioria veste roupas como as nossas, anda a pé, a cavalo, de ônibus, metrô ou carro, e está batalhando para garantir dignidade à sua família de sangue e de coração. Quem são seus heróis? Talvez, olhando para dentro da sua casa, você também descubra como eu.
*@fabriciahamu é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Escreve às segundas-feiras, duas vezes por mês.