Sem força, sem foco e com fé
De repente, tudo ficou muito estranho. Comecei a atrasar relatórios, colocando informações trocadas. Coitada da minha sócia, que tinha de revisar tudo mil vezes. Também passei a esquecer documentos ou coisas para fazer que meu irmão me pedia. Coitado dele, que precisava me lembrar das tarefas o tempo todo.
Mas, sem dúvida, ninguém sofreu mais que meu carro.
As pilastras da garagem do prédio onde moro há oito anos se tornaram um enigma quase indecifrável para mim, e resultaram em arranhados na porta, na hora de estacionar. Fui ao terapeuta para perguntar se estava ficando louca ou incapaz.
Ele me lembrou de tudo o que eu havia passado nos últimos dois anos, marcados por lutos, mudanças bruscas e problemas de toda ordem. “Agora acrescente uma pandemia no meio tudo isso. É sério que você quer continuar exatamente como era antes, com o mesmo nível de foco e produtividade? Enquanto não pegar mais leve com você mesma, seu inconsciente vai continuar te sabotando”, sentenciou.
Pois é, eu deveria ser mais generosa e paciente comigo. Precisava aceitar que o tempo da minha cabeça e do meu coração não era o do mundo. Mas eu insistia em resistir e a prova disso é essa foto. Uma amiga disse que eu tinha cara de tudo, menos de quem estava sem foco, e que parecia uma executiva na Forbes na imagem. Mal sabia ela que, na hora do ensaio, minha cabeça estava em Nárnia.
Decidida a seguir o conselho do terapeuta, baixei o nível interno de exigência e fui à oficina fazer um orçamento do conserto do carro.
Contei ao dono a história, que riu e falou: “Está vendo isso daqui? É uma fila de nove veículos, estragados pelo mesmo motivo que o seu. Está todo mundo no mesmo barco, minha filha”.
Fica a lição de que, nessas horas, não adianta forçar o curso das coisas e buscar a perfeição a qualquer custo. Há momentos em que temos de desfocar o mundo para olhar para dentro de nós; exercitar o autoamor, a autocompaixão, e, principalmente, a fé na vida e na gente mesmo. Porque como ensinou o mestre Gil, a fé não costuma faiá.
*@fabriciahamu é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Escreve às segundas-feiras, duas vezes por mês.