Visitar sem avistar quem já partiu
Nunca entendi a preocupação do meu vô Pedro. Bem antes de morrer, comprou um terreno no cemitério e convenceu alguns amigos a fazerem o mesmo. Lotes vizinhos, um ao lado do outro, porque assim, no futuro sem tempo, poderiam continuar “papeando à noite”. Ficou tão orgulhoso da aquisição que vivia chamando todo mundo pra visitar o jazigo da família.
Achava aquele convite mórbido demais. Nunca fui. Até o dia que ele se foi. Há 15 anos. Nove anos depois dele, meu pai foi fazer companhia pro meu vô. Quatro anos depois do meu pai, chegou a hora da minha vó Lolinha, que tinha outro sonho de morte e preferiu ter as cinzas jogadas ao vento.
Depois do enterro deles, não mais visitei o jazigo.
Este ano, senti novamente um convite do meu vô. Desta vez, aceitei. Levei junto minha mãe, filha dele, a @mariajoseoliveira6382 e minha sobrinha Beatriz, de cinco anos, que não chegou a conhecer nem meu avô nem meu pai.
Ao chegar ao cemitério, Beatriz carregou a frustração na pergunta:
— Mas a gente não vai ver as pessoas “morridas”?
Sem avistar os “morridos”, fomos à procura do jazigo da família. Encontrar a foto dos dois eternizada na lápide sorrindo pra mim me arrancou um sorriso de saudade. Com muita honra, segui, pela primeira vez, um ritual: flores no vaso e velas acesas. O lugar estava tão bem cuidado que me sentei ali pertinho das imagens para rezar e mandar luz à caminhada deles.
Na hora de ir embora, veio a vontade de fotografar a morte pra sempre me lembrar que ela está no roteiro da vida. E aí eu acho que entendi meu avô. Aquele jazigo todo fotogênico foi a forma que ele pensou em vida pra não ser esquecido pelas pessoas que amava. Ele queria um túmulo bonito para que fosse visitado.
Meu avô queria que tivéssemos orgulho da sua nova casa, como ele gostava de dizer.
Não veio a culpa por não ter feito a visita antes. Porque agora, respondendo à minha sobrinha, eu mando a mesma resposta ao convite do meu avô:
— No cemitério, a gente não vê as pessoas “morridas” amadas porque, depois que partem, fazem morada pra sempre no nosso coração.
E venho visitando você todos os dias, vô.
*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto, escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.