Por dias floridos

Ana Cláudia Rocha no Blog Vida de Adulto
Foto: Arquivo pessoal

*Ana Cláudia Rocha

O celular está com mais de dezenove mil fotos. Prometo limpar o que não quero e salvar o que é importante. Mas nunca cumpro. Apago algumas centenas e, rapidamente, acrescento outras. Em um passeio noturno pelo rolo de câmera, encontrei imagens da amarílis branca, ou açucena, fotografada há quase um ano. Já está chegando a hora dela voltar, pensei. Dormi.

O dia amanheceu com o céu limpo, anunciando o início do outono. Fui à sacada, para um dos momentos diários de “liberdade”. Olhei para a floreira, de quem descuidei um pouco nos dias de muita chuva. Percebi que era preciso regar as plantas. Espalhei a água e enxerguei, surpresa, os brotos da amarílis branca se destacando entre a robusta folhagem. Ela voltou antes do que pensei. Que felicidade ver esse brilho despontando no verde.

Comecei a pensar nesse tempo de espera. Não apenas da espera por essa nova florada. Mas de toda a espera que vivemos há um ano. A espera que causa ansiedade, cansaço, inquietude. Tudo isso vai passar, repetimos à exaustão, querendo acreditar. E ainda não passou. Vamos forçando a paciência para alimentar a esperança. Buscando forças para renovar a crença em um tempo novo. Testando a fé para preservar a saúde mental.

É preciso não se entregar à ansiedade, sabemos disso.

Não cansar. Não colher os frutos verdes. Aprendemos que há um tempo para tudo. Mas ainda precisamos aprender a esperar. Ainda mais. Por algum período que não sabemos o tamanho. Esperar até quando? Não há uma resposta.

Para florescer, a amarílis precisa de luz e calor. Compartilho com ela a necessidade do sol e nos entregamos a ele. Ganhamos energia. Ela floresce, porque é sua missão. Eu tento. Juntas também contemplamos os mistérios da lua. Dividimos o silêncio da noite. Sua floração tem curta duração, os brotos se abrem em poucas horas, as flores murcham em poucos dias. Depois ela entra em dormência, até a nova florada. Eu me abasteço com sua beleza, enquanto, dormente, fico na espera misteriosa por dias floridos.


*@anacrocha64 é goianiense, casada, mãe de dois filhos, jornalista formada pela Universidade Federal de Goiás. Seguiu carreira em jornal impresso. No último ano, tem se dedicado a escrever crônicas, para realizar um antigo sonho e para aliviar a ansiedade nesses tempos difíceis de pandemia, sempre tirando lições da natureza. A escrita e a fé têm sido seus alicerces.

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