Tá tudo bem? Não

Renata Varandas escreve o texto "Tá tudo bem? Não"
Foto: Orlando Brito

*Renata Varandas

Eu acho que é uma questão de educação cumprimentar as pessoas assim: “Oi, fulano, tá tudo bem?” E questão de educação o outro responder: “Tudo e com você?” E você rapidamente arrematar: “Tudo bem também”. Acabou o diálogo. É protocolar.

Mas de uns tempos pra cá (tempos pandêmicos e estranhos), a minha resposta quando questionada tem sido: “Tudo bem é uma expressão forte, né?” Normalmente, as pessoas riem e para a minha sorte entendem o recado e não se alongam.

Só que minha vontade mesmo é responder: “Não, tá tudo um droga. Estou me sentindo péssima, ansiosa, triste, impotente e ainda culpada por ser tão ingrata diante da vida”. Mas aí me pergunto, como a Keila Mellman: “É de bom tom dar uma reposta dessas? Não, não é”. Então sigo a etiqueta: “Sim, tudo bem”.

E agora vem um capítulo tenebroso desse protocolo que é quando quem perguntou viu por debaixo da N95 que está tudo péssimo e resolve te confrontar:

“Por que não está tudo bem?” Meu Deus, essa pergunta deveria ser proibida!

Bate um desespero porque você abre a boca para dizer o quão ruim sua vida está e percebe o quão boa ela é.

Em meio a mais de 400 mil famílias que perderam pessoas queridas, os meus mais próximos estão todos com saúde. Com 14 milhões de desempregados, tenho emprego. Também tenho vida boa, bons amigos, tudo dentro do padrão perfeito de qualidade instagramável.

E a partir das constatações vem mais um capítulo do “não estar tudo bem”: a culpa. Culpa por não quicar de felicidade – como os meus cachorros fazem quando ganham biscoito – por ter tudo e não estar alegre.

Culpa por me sentir grata pelo que tenho, mas não me sentir feliz. (Nota rápida: nesses tempos também descobri que gratidão não é sinônimo de ser feliz. Gratidão é sinônimo só de gratidão mesmo). Culpa ao me perguntar: “Quero mais o que pra estar ‘tudo bem’?” E não ter o que responder.

Esses dias, ouvindo Diogo Nogueira, me senti desprezível: “Na vida, coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia”. Foi um soco envergonhado no meu estômago culpado.

Então, tá tudo bem? Não, não tá, mas vai ficar porque a próxima música era “Clareou” e nela, ele dizia que “um novo dia sempre vai raiar e quando menos esperar, clareou”.


*@revarandas é jornalista e uma das organizadoras do Podcast Vida de Adulto.

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