Ela borda, eu escrevo
A pergunta veio insegura no meio de rodeios, como se a resposta fosse machucar.
– Mãe, o que você acha de eu aprender a bordar nas férias?
Sem viagem à vista, eu tinha sugerido para minha filha o mergulho em livros e a exploração dos parques da cidade, coisas que adoro fazer, mas ela me revelava que queria se aventurar pelas linhas. Não entendi o receio da pergunta (ou fingi não entender).
– Pensei que você fosse achar uma coisa ultrapassada, mãe!
Por mais que eu tente e me policie, vez ou outra (ou muitas vezes) continuo projetando a minha vida na vida da minha filha. Fomos pesquisar tutoriais para aprender a bordar e comprar o que precisava. Material em mãos, sentamos lado a lado. Ela bordando, eu escrevendo.
Minha filha completa hoje 18 anos e começa a bordar sua vida no desenho projetado por ela, alinhavando com seus próprios fios, com acertos, erros, refazendo o ponto que saiu errado e dando a direção ao traçado. Apesar de termos as mesmas raízes, nossas árvores darão frutos diferentes. Mas, nas diferenças, encontro semelhanças.
Para bordar e escrever, preciso é estar presente no momento, caso contrário, a linha e a cabeça dão um nó. Eu bordo palavras numa folha em branco e ela escreve a vida na linha do bordado. Nós duas precisamos medir – palavras e pontos. O bordado dela é livre. Minha escrita, também.
Cada vez mais, a escolha das linhas e dos pontos vai ser sua, filha!
Eu posso até dar um palpite, se você me perguntar, mas as respostas estão dentro de você. Vá bordando e escutando. Com atenção, para não perder o fio da meada. Com paciência, se por acaso perder.
Você borda, eu escrevo. Os fios da vida unidos em um único tecido de amor que não rasga. Bonito vai ser quando eu concluir a escrita da minha vida e deixar o livro para você ler porque hoje ele pode parecer confuso. Bonito vai ser quando você terminar o bordado e eu, de onde estiver, ver o desenho concluído no bastidor da vida. Talvez aí se revelem as razões de sermos mãe e filha.
Enquanto isso, siga bordando com coragem, segurando a agulha com firmeza e tomando o controle dos fios nas próprias mãos. Para, em liberdade, ser quem você veio ser e não o que querem que você seja.
*@tacianacollet é jornalista e uma das fundadoras do Vida de Adulto.