A verdadeira volta por cima
“Ali, onde eu chorei, qualquer um chorava/ Dar a volta por cima que eu dei/ Quero ver quem dava…”.
Os versos cantados por Beth Carvalho ecoam da caixinha de som e me fazem refletir sobre as rasteiras que a vida nos passa, e sobre a nossa capacidade de levantar, sacudir a poeira e seguir em frente.
Dar a volta por cima é o desejo da maioria, principalmente quando a rasteira é dada por alguém que a gente gosta. Dizem que a melhor vingança é ser feliz. Concordo em parte. Ser feliz é importante, mas não o principal. Hoje, penso que a melhor forma de nos vingarmos de quem nos magoou é não permitindo que matem a nossa essência.
Se somos leais e recebemos uma traição, tendemos a nos tornar desleais. Se somos generosos e acabamos explorados, podemos descambar para o egoísmo. Se exercitamos a empatia e somos maltratados, corremos o risco de ser tomados pela frieza. E assim, pouco a pouco, vamos nos afastando do que temos de melhor.
É por isso que acredito que a grande volta por cima é a resistência em preservar nossa verdade interior.
Por mais que o mundo nos ofereça espinhos, a gente não deixa de plantar rosas. É fato: sempre haverá quem pisoteie nossa roseira, quem jogue veneno por cima dela, e até quem tente arrancá-la pela raiz.
Diante disso, podemos acabar com o jardim e cimentar tudo, ou seguir cultivando roseiras e tomando mais cuidado para protegê-las. A primeira opção nos livra dos vândalos, mas também nos afasta das borboletas, dos pássaros e dos jardineiros dispostos a adubar, regar e apreciar nossas flores.
Não é fácil oferecer rosas com as mãos sangrando pelos espinhos. Nessa hora, porém, vale a pena lembrar que as feridas vão cicatrizar e, se a gente seguir com nosso cultivo, as mesmas mãos machucadas ficarão tomadas de perfume e poderão tocar outras mãos, também ávidas pela delicadeza e a beleza.
Dar a volta por cima é ser flor onde houver pedra. É ser luz onde houver sombra. É ser calor onde houver frio. É ser água onde houver seca. É ser cada vez mais o que somos de melhor, de bonito e de raro. A verdadeira volta por cima é não nos tornarmos o que nos feriu.
*@fabriciahamu é jornalista e uma das fundadoras do Vida de Adulto.