“Envelhe-essência”
Quem nunca aderiu ao negacionismo da própria velhice que atire a primeira pedra. Reconhecer nossos corpos envelhecendo é especialmente difícil para nós mulheres. Cultuamos a juventude, e o padrão de beleza vendido e admirado só cabe até os 40, tanto em idade, como em tamanho. É uma corrida contra o tempo, mas também contra nós mesmas. Não seria mais fácil aceitar o tempo vivido?
Imaginar-se idosa é algo quase que repugnante, triste, melancólico. Simone de Beauvoir disse que “aos 20 anos, aos 40 anos, imaginar-me velha é imaginar-me outra”. E completa: “Antes que se abata sobre nós, a velhice é uma coisa que só concerne aos outros. Paremos de nos trapacear; o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos neles. Isso é necessário, se quisermos assumir em sua totalidade nossa condição humana”.
A pergunta da história infantil deveria ter sido: “Espelho, espelho meu, será que essa imagem que vejo sou mesmo eu?”. A madrasta perdeu sua humanidade ao negar-se velha.
Inconformada com o seu envelhecer, cultivou uma profunda inveja da juventude da enteada.
Ao percorrermos os caminhos da nossa existência, fazemos escolhas sem considerar a decadência da vida. Reconhecer-se envelheSENDO é aventurar-se por outras realidades, outros começos, substâncias e forças. Aceitar a envelhe-essência de nossos corpos é abrir-se para um novo impermanente, quando a liberdade e leveza vem habitar-nos.
Acolher a finitude do corpo é encontrar-se consigo mesma antes do final de tudo. É preciso honrar nossas rugas e o tempo dos nossos corpos, agradecer tudo que ele nos proporcionou até aqui. Afinal, há beleza nos corpos vividos. Assim como as velhas árvores de Olavo Bilac: “Tanto mais belas quanto mais antigas, vencedoras da idade e das procelas…”.
*Sâmia Campelo – Psicóloga e gerontóloga, atua como psicóloga clínica especialista em atendimento de pessoas idosas, e também é servidora pública em Brasília onde coordena um programa de preparação para aposentadoria do órgão onde trabalha. Adora escrever, ato que considera um de seus mais importantes processos de cura.