Minha tia moderninha

Tia Marly, em 1970 (Foto: Arquivo pessoal)

Comecei a assistir a série As Telefonistas, que conta a história de um grupo de mulheres que, em 1928, trabalha na primeira companhia telefônica da Espanha. Independentes e donas de seus destinos, elas eram raridade na sociedade espanhola da época, onde o “normal” era a mulher se casar e ficar em casa cuidando dos filhos.

Quando assisti o primeiro capítulo, foi inevitável não pensar na minha tia que foi telefonista no interior de Goiás, na década de 1960. Embora 40 anos já tivessem se passado desde o período retratado na série, no Brasil a situação da mulher no mercado de trabalho não tinha mudado muito. Se as coisas andaram mais rápido na Espanha, no Brasil ainda era incomum mulher ter uma profissão.

Isso tudo só torna a história da minha tia mais interessante. Solteira, ela trabalhava como telefonista no período noturno. Hoje, ela ri muito quando relembra as fofocas da época. Conta que era “mal falada” na região porque alguns vizinhos comentavam e insinuavam, inclusive para sua família, que ela era “mulher da vida”.

Afinal, como explicar a rotina de uma jovem que saia sozinha de casa todos as noites e só voltava na manhã do dia seguinte?

Minha tia ainda usava minissaia e tinha cabelo bem curto, estilo Joãozinho. Fico imaginando o quanto devem ter olhado de lado para ela e comentado coisas maldosas só porque se vestia como queria (embora fosse a última moda na época) e trabalhava fora em busca de sua independência econômica.

Se até hoje o ser diferente provoca comentários e atrai olhares espantados, imagina na década de 1960! Admiro sua coragem e ousadia em ser diferente do padrão esperado e por ter batalhado por sua independência.

Dou um salto para o ano 2019, quando minha tia continua morando na mesma cidade e ainda conta sua história para quem quiser ouvir. Muito tempo se passou, mas uma coisa chama atenção.

Por que ainda há mulheres que precisam batalhar pelo direito de escolher o que fazer, onde ir e o que usar?

Não tenho resposta, mas me inspiro em mulheres que, cada uma do seu jeito, não abaixam a cabeça e vão atrás do que querem. Tento ser assim todos os dias.

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Série As Telefonistas se passa em Madrid, nos anos 1920 (Foto: Divulgação)

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